Geoestratégia da Energia

1 - A expansão no consumo e no comércio internacional refletiu e impulsionou, simultaneamente, a utilização das reservas já conhecidas e a descoberta e exploração de novas fontes. Grande parte do manancial situa-se em regiões do planeta que apresentam relações conflituosas de voltagens variadas mas sempre inquietantes e, em alguns casos, até alarmantes e abrigam projetos e estratégias geopolíticas nacionais que chamam a atenção.

 

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Em termos de conflitos, o Oriente Médio constitui o exemplo mais evidente, com as turbulências e incertezas que não dão trégua nas nações do Golfo Pérsico. A Arábia Saudita, com cerca de ¼ das reservas mundiais de petróleo comprovadas, ocupa uma evidente posição de proa, notadamente devido à instabilidade do seu regime monárquico. Todavia, também o óbvio Iraque e o Kuwait, entre outros, devem ser olhados com apreensão, para não falar de um dos países que mais têm ocupado as manchetes recentemente, o Irã, ao qual se retornará neste artigo.

No tocante às estratégias geopolíticas, deve-se assinalar principalmente o protagonismo da Rússia, que vem mostrando uma especial desenvoltura não só em termos de reposicionamento no mercado mundial de petróleo a partir do desenvolvimento, com grandes investimentos em tecnologia, de grupos privados como Lukoil e Yukos, e, no tocante aos dutos, da governamental Transneft , mas também com respeito ao gás natural. Esse país detém cerca de 1/3 das reservas mundiais de gás conhecidas, numa nítida liderança planetária, e tem destinado pouco menos de 2/3 das suas correspondentes exportações à Europa. Seja em petróleo ou em gás, uma importante estratégia russa parece envolver a fidelização das clientelas européia (sobretudo na Europa Central, mas também países como Alemanha, França, Itália e Espanha) e extremo-asiática (China, Coréia do Sul e Japão), uma situação que deve se fortalecer com a emergência da bacia do Mar Cáspio como área produtora.

Países como Azerbaijão, Kasaquistão (ambos com petróleo) e Turcomenistão  (envolvendo gás) galgam posições nessa geografia, da qual ainda fazem parte países do Cáucaso, como Geórgia e Armênia, na condição de corredores para os imprescindíveis dutos. Tudo isso outorgaria à Rússia os benefícios vinculados à sua posição macro-regional em tecnologia, infraestrutura e logística, como se observa pelo seu forte envolvimento na instalação de novos caminhos para o transporte de petróleo e gás sobre um imenso território que abrange rotas quase polares e o Leste da Sibéria, em direção à China (Kandiyoti, 2005).

Não surpreende, assim, o crescente envolvimento dos Estados Unidos na Ásia Central, sobretudo por meio da instalação de gasodutos que possibilitem abastecer mercados ocidentais sem a necessidade de passar em território russo. Não é difícil imaginar o quanto ações desse tipo representam de tensão nas relações diplomáticas cada vez mais influenciadas pelas políticas de energia nacionais , um quadro que estaria passando a caracterizar também as relações dos Estados Unidos com a China, a qual, despontando inegavelmente em termos de consumo por conta do seu vigor econômico no período atual, tem alinhavado negociações sobre fornecimento e extração de recursos energéticos com a América Latina (Cuba) e com a África (Sudão).

 

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2 - Globalização dos recursos energéticos

O crescente envolvimento dos Estados Unidos na Ásia Central, sobretudo por meio da instalação de gasodutos que possibilitem abastecer mercados ocidentais sem a necessidade de passar em território russo. Não é difícil imaginar o quanto ações desse tipo representam de tensão nas relações diplomáticas cada vez mais influenciadas pelas políticas de energia nacionais , um quadro que estaria passando a caracterizar também as relações dos Estados Unidos com a China, a qual, despontando inegavelmente em termos de consumo por conta do seu vigor econômico no período atual, tem alinhavado negociações sobre fornecimento e extração de recursos energéticos com a América Latina (Cuba) e com a África (Sudão).

Sobre a África cabe salientar, entre outros aspectos, a representatividade de Nigéria e Angola como fornecedores internacionais, principalmente (mas não só) de petróleo vendendo para Estados Unidos e para a Ásia Oriental , e a importância desse recurso também para Gabão, Guiné Equatorial, República do Congo, Chade e Camarões. Como se indicou, vários desses países vivenciam conflitos (internos ou não) de intensidade variável e mais ou menos explícitos basta referir à guerra civil em Darfur, no Sudão , e isso faz pensar sobre as suas reais possibilidades de afirmação no rol dos produtores mundiais (para além de experiências como a da Nigéria, que logrou adquirir um grande realce). De todo modo, é difícil aceitar que, em termos geopolíticos, o quadro africano possa ter representatividade equivalente às dos processos em curso na Ásia Central e das necessidades energéticas no Extremo Oriente, vinculadas particularmente à trajetória da China.

3 - A América Latina

O recrudescimento das tensões em torno da questão energética marca presença na América do Sul dos dias atuais. Nesse subcontinente, talvez mais do que em quaisquer outras regiões, o tema da energia aparece temperado com manifestações de cunho nacionalista em que se brandem princípios de defesa dosinteresses nacionais e de manutenção da soberania sobre recursos considerados essenciais ao desenvolvimento socioeconômico. Até o recente anúncio sobre o alcance da auto-suficiência do Brasil em petróleo, em que pese o fato de tal estado de coisas carecer ainda de uma efetiva caracterização, veio embalado em elocução quesalientava o significado do feito em termos de segurança energética, algo apontado como decisivo para a vida nacional. Com efeito, uma certa gramática nacionalista não deixou de adornar os discursos sobre as realizações da Petrobras.

No subcontinente, o comportamento de maior visibilidade nessa matéria na atualidade é ostentado pela Bolívia. Numa escalada na mídia internacional, ao mesmo tempo saudada e descrita como sintoma de um vendaval populista na América Latina  que aturdiu bom número de observadores em diferentes países, o recém empossado governo boliviano decretou a nacionalização das atividades de exploração de petróleo e gás realizadas em seu território (ocupando com tropas as instalações de empresas estrangeiras); impôs um imediato aumento na tributação sobre recursos energéticos; anunciou a elevação do preço do gás exportado; trouxe funcionários da estatal Petroleo de Venezuela S.A. (PDVSA) para vistoriar as operações locais das empresas estrangeiras e apoiar em termos técnicos e logísticos os funcionários da também estatal Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB); ameaçou expropriar unidades de empresas estrangeiras caso os novos termos sobre exploração dos recursos energéticos nacionais não sejam aceitos; acusou a Petrobras de chantagem quando esta divulgou que poderia cortar investimentos no país vizinho; nomeou novos diretores para as unidades das empresas estrangeiras (como a Petrobras Bolívia Refinación S.A.), cujos controles acionários passarão à YPFB; afirmou na 4ª Conferência de Cúpula União Européia América Latina/Caribe, realizada em Viena, que a Petrobras não respeitava as regras bolivianas e que, portanto, atuava ilegalmente no país (manifestação suavizada logo depois, a partir de uma reação do governo Brasileiro); alardeou a intenção de não indenizar as empresas estrangeiras pelos investimentos feitos no país. Tudo isso, é importante assinalar, em país cujas exportações de gás representam cerca de 18% do PIB, ¾ da produção sendo dirigidos a um só mercado, o Brasil Esse encadeamento surpreendente, com idas e vindas nos decibéis da oratória diplomática, ocorreu no intervalo de meras duas semanas. Todavia tal seqüência de tirar o fôlego, que alguns observadores argumentam ser preciso considerar em relação à necessidade do governo boliviano de garantir um resultado favorável na iminente eleição para a Constituinte desse país a verve nacionalista acenaria com isso , não esgota o que se passou no subcontinente nesse exíguo período. Também voltou à baila o projeto de um megagasoduto interligando Venezuela, Brasil e Argentina, com cerca de 6.600 km de extensão na linha-tronco, anunciado no final de 2005 durante a Reunião de Cúpula do Mercosul que selou o ingresso da Venezuela como membro pleno desse bloco. Pelo projeto, que gerou ceticismo e críticas por conta dos desafios ambientais impostos pela Floresta Amazônica e pelo Rio Amazonas, e também devido às incertezas sobre a própria viabilidade do empreendimento, Argentina e Brasil passarão a receber gás da Venezuela. Ao mesmo tempo, houve o lançamento de um outro projeto de gasoduto, este envolvendo Bolívia, Paraguai e Uruguai, com financiamento a ser assegurado pela Venezuela. Num caso e no outro, marca presença a personalidade expedita, com verbosidade torrencial, da liderança máxima venezuelana no estabelecimento e solidificação de vínculos de natureza geopolítica em escala não só subcontinental, mas em nível de América Latina. O alicerce básico dessa movimentação não é outro senão a imensa renda derivada da posição desse país no quadro mundial de recursos energéticos: maior reserva comprovada de petróleo fora do Oriente Médio; importantes reservas de gás natural; grande desempenho exportador de óleo, inclusive para os Estados Unidos.

Essa condição tem permitido ao presidente da Venezuela um papel de grande visibilidade internacional, com desempenho em que ganha contornos crescentemente fortes uma liderança que diversos observadores não hesitam em admitir como concreta. Emergência de liderança rima quase sempre com disputa entre candidatos a líder, e, dessa forma, não surpreende que a aludida tendência venha produzindo antagonismos. Recentemente, no calor dos acontecimentos implicando a nacionalização do petróleo e gás bolivianos, o assessor especial da presidência do Brasil para assuntos internacionais teceu críticas ao comportamento do chefe de Estado venezuelano. Logo depois, o Ministro das Relações Exteriores do Brasil assinalou publicamente que certos atos daquele governante criam situações de desconforto, ou constrangimento, ao seu país, uma colocação que foi imediata e asperamente repelida não só pela Venezuela, mas também pela Bolívia. O aspecto conjunto do rechaço não deve passar despercebido. A medida em dueto, vista em conexão com outros acontecimentos, estaria a sugerir a envergadura do eixo que toma corpo entre os dois países, um processo que, certamente, não atende só a interesses bolivianos: embora sozinha a Bolívia tenha peso pequeno no mercado, as parcerias anunciadas por Hugo Chávez e Evo Morales aumentam o cacife da Venezuela, quinto maior fornecedor de óleo cru aos EUA.

Para além de questões comerciais, essas investidas podem (e devem) ser consideradas, no seu conjunto, em conexão com as aspirações de difusão da assim chamada Revolução Bolivariana, espécie de pièce de résistance da gestão Chávez no tocante aos vínculos internacionais da Venezuela na América Latina.

O apelo dessa dita revolução, em região do planeta marcada por séculos de desigualdades sociais que, para dizer o mínimo, agridem o senso comum, parece basear-se, antes de mais nada, no seu princípio fundamental de promover a organização social pelas bases. Segundo o sociólogo argentino Ernesto Laclau, o populismo chavista não se mostra de natureza autoritária justamente porque a incrustada mobilização da sociedade não teria como origem a atuação das elites. Pelo contrário, há um aspecto de auto-organização das massas, nos locais de trabalho. Para o que mais interessa neste artigo, cabe destacar que o espraiamento dos ditos ideais bolivarianos seria consideravelmente azeitado pela integração energética do subcontinente sul-americano sob a batuta da Venezuela. Os idealizados gasodutos se revestiriam, assim, de irrecusável importância geopolítica.

4 - A rota do Atlantico Sul

Com potencias como a China com novas rotas para seus petroleiros do Porto de águas fundas em Cabo Verde, para transporte do petróleo que aí também existe, o dos países do Golfo da Guiné e o de Angola, torna - se patente a importância geoestratégica que o Atlantico Sul está a ter. Com as deslocações das esquadras dos EU, a de França, natural será que a China queira assegurar também o controle e segurança militar dos seus petroleiros.

O Brasil tem já a experiência do seu alto valor geoestratégico para assegurar no Atlântico Sul o controlo das rotas, sendo perspectiva muito próxima a utilização de propulsão nuclear nos submarinos e capacidade interna de produção de reactores e de armamento inteligente balístico. Tal é uma visão de futuro mas que assegurará não só a “apropriação” das sua reservas, como lhe poderá conferir um Estatuto muito importante na Geopolítica das rotas do petróleo.